quinta-feira, 31 de outubro de 2013














XV
O ENSINO E A POLÍTICA

INSTRUÇÃO E LIBERDADE

«[…] a liberdade e a instrução são inseparáveis, e que não pode haver verdadeira instrução sem liberdade, nem verdadeira liberdade sem instrução. Quem defende uma, tem de propugnar pela outra. Quem fere alguma delas, é inimigo de ambas.
A prova de que assim é, temo-la fora e dentro do país.
Quais são as nações mais instruídas? São as mais liberais. É a República Suíça, onde cada cidadão já tem mesmo a liberdade de fazer directamente a lei pelo exercício do direito de iniciativa e de referendum. É a França, também republicana, que assegura a soberania política da nação pelo livre governo da opinião pública; que, depois de ter promulgado um largo código de liberdades económicas, se esforça agora por lhe aditar o direito de aposentação a todos os trabalhadores; e que há pouco ainda consagrou definitivamente a liberdade religiosa pela lei da separação entre as igrejas e o Estado. É a livre Inglaterra, que acaba de elevar ao ministério um operário, John Burns, antigo organizador e chefe de formidáveis greves. E a Alemanha, se é também uma das nações mais cultas, é que ela não é só a Alemanha do imperialismo, mas ainda hoje a Alemanha da liberdade religiosa, da Reforma, e a Alemanha da social-democracia, que, neste mesmo momento, luta por levar a cada Estado o sufrágio universal que Bismark, para cimentar o império, se viu obrigado a aceitar para o Parlamento de toda a confederação germânica.
E, na Europa, as nações incultas vão sendo tão raras como as nações despóticas. Para as encontrar, é preciso ir ao extremo norte, à Rússia, ao extremo oriente, à Turquia, ou ao extremo ocidente… a Portugal.
Mesmo entre nós a instrução tem prosperado ou decaído, conforme a liberdade.»


“Escola “31 de Janeiro”, in Pela Republica: 1906-1908, Lisboa, Editor-Proprietário Bernardino Machado (Coimbra: Tipografia França Amado), 1908.

«Ser instruído é ser livre. Uma nação sem originalidade, que nada cria, inventa e descobre, e apenas vive de empréstimos materiais ou espirituais, se, pelo prestígio do nome herdado, ainda conserva a sua autonomia, não está longe de perdê-la.»


“A Universidade e a Nação”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb. in: A Universidade e a Nação, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1904; A Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908; tb. A Universidade e a Nação, Vila Nova de Famalicão, Câmara Municipal, 1983. Reedição facsimilada.

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GOVERNO E ENSINO

«O governo e o ensino são recíprocos. Nação de governo depravado mal pode ministrar um ensino moral e, que o ministre, vê-lo-á em grande parte inutilizado; a imoralidade, ou a indiferença moral só que seja, da escola corrompe fatalmente a sociedade. Mas o poder da educação é mais profundo, porque se exerce sobre naturezas ainda mais simples, e um grupo de homens dignos no magistério lutarão sempre vantajosamente contra as deletérias influências governativas. Por isso se põem no ensino tantas esperanças de regeneração social!»

“Notas Dum Pai”, In O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 44, n.º 8 (1897).

«Dois são os problemas capitais, tanto do governo como do ensino: o problema da liberdade e o problema da socialização.
Dantes o ensino era oral. A palavra do professor fazia fé, e o regime da escola podia denominar-se absolutista, era o regime do magíster dixit: na aula copiava-se, imitava-se, decorava-se. Depois, já no meu tempo, entre nós, o professor passou a fazer as demonstrações e as experiências diante do aluno, que fiscalizava, pelos seus olhos, as afirmações que ele proferia e era, por assim dizer, este um regime monárquico-representativo. Só recentemente nos últimos tempos, é que pela criação de laboratórios, se começou a chamar o aluno ao trabalho pessoal, original, para lhe incutir iniciativa, liberdade e independência. É o regime republicano.»

“[Governo, Ensino e Educação]”, In Obras: Pedagogia – III, 2013.

«Eu sei dolorosamente, por crua experiência, o pernicioso influxo que o mau governo tem no ensino, e como é difícil e árido proclamar princípios na aula, quando, fora dela, reina o arbítrio. Num país onde a selecção se não opera pelo saber e pelo mérito, como se há-de amar e desenvolver a instrução? A própria corrupção governativa instila-se pela aula, e vai-a dissolvendo. Mas a recíproca não é, contudo, menos verdadeira: o ensino exerce incontestável influência no Governo. Ensinar é governar.»


“A Universidade e a Nação”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb. in: A Universidade e a Nação. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1904; A Universidade de Coimbra. 2.ª ed. Lisboa: Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908; tb. A Universidade e a Nação, Vila Nova de Famalicão, Câmara Municipal, 1983. Reedição fac-similada.

«Quer isto dizer que nenhuma diferença exista entre ensino e governo? A mesma que entre a escola e a sociedade. Ao ensino cumpre ser um governo modelo, como à escola uma sociedade exemplar. Cada dia, porém, se reconhece mais a necessidade de os assimilar e esta assimilação se vai operando de parte a parte.»

“Conferencias de Pedagogia: notas”, in Universidade de Coimbra: curso de pedagogia: notas, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1900; in “Conferencias de Pedagogia: notas”, in A Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908.







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ESCOLA E POLÍTICA

«A escola, para desempenhar a sua missão, tem de ser um órgão vivo da sociedade, pulsando com as suas esperanças e com as suas amarguras, identificada com o seu destino; isto é – porque o não direi? – a toda escola, desde a primária até a superior, tem de ser sobretudo uma instituição política.»

“Saraus do Instituto”, in A Universidade e a Nação, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908; tb. in O Ensino Profissional, Coimbra, Typographia França Amado, 1899; tb. “A Academia de Coimbra”, In Homenagens, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1902.


«Às escolas reaccionárias temos de opor as escolas liberais.
Tão boas são umas como as outras, são perigosas e más. A instrução liberal é a que estimula, fortalece e disciplina, em quem a adquire, a liberdade de a exercitar e prosseguir por si próprio, enquanto que a instrução reaccionária é a que o deixa para sempre amortizado a um tutor, quer para sentir a amar, quer para trabalhar e possuir, quer para pensar e saber. Uma faz seres activos, de iniciativa, a outra seres passivos, autómatos; uma prepara homens livres, cidadãos, a outra homens servis, vassalos.»

“Escolas Liberais”, in Pela Republica: 1908-1909 – II, Lisboa, Editor-Proprietario Bernardino Machado (Coimbra: Typographia França Anado), 1910.

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ENSINO MONÁRQUICO VERSUS REPUBLICANO

«Desde a escola se fazem monarquias ou repúblicas, erguem-se ou aluem-se impérios. Ensino despótico, Governo despótico; e o despotismo, ainda que seja o despotismo maternal do amor, produz fatalmente o enfraquecimento e a ruína das famílias e dos Estados. Só há uma educação salvadora, e para a qual nos cumpre urgentemente apelar, para transformamos este apoucado Portugal de hoje no grande Portugal de amanhã […] é a educação liberal.»

“A Universidade e a Nação”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb. in: A Universidade e a Nação, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1904; A Universidade de Coimbra. 2.ª ed. Lisboa: Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908; tb. A Universidade e a Nação, Vila Nova de Famalicão, Câmara Municipal, 1983. Reedição facsimilada.


«Oponhamos a esta educação e a esta instrução monárquicas, que são o suborno e a mistificação, a verdadeira educação, que é a formação do carácter pela liberdade, e a verdadeira instrução, que é a instrução dos princípios, da razão. Esta mesma converte-se naturalmente naquela, porque o dever não é senão o imperativo categórico da razão.
Nas nossas escolas não é possível o suborno, porque elas são do próprio povo e para o povo. E a doutrina que nós, republicanos, professamos e praticamos cá fora, por toda a parte, na tribuna e na imprensa, é a mesma que o mestre deve sempre ensinar: que é, por nós mesmos, pela nossa própria iniciativa, e pelo nosso próprio esforço pessoal, e não pelo favor de nenhum poder estranho à nossa vontade, que nos valorizamos e que ascendemos na escala social.»

“Instrucção e Educação Monarquica”, in Pela Republica: 1908-1909 – II, Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado (Coimbra: Typographia França Amado), 1910.

«Eduquemos os cidadãos, não príncipes. Busque-se a verdade, não para fechar e deter como um mistério, um monopólio, um privilégio, para a converter, em suma, numa autocracia, mas para enriquecer com ela o património comum, derramando-a a flux por todos os espíritos. Lastimosa pedagogia a que, para encurtar os caminhos do saber, alonga os da virtude. Nós não estudamos a física, a química, a biologia, as ciências da matéria e as ciências do espírito, senão para, através das suas leis, como através de lentes cada dia mais poderosas, irmos concentrando em nossa alma o calor e a luz da lei moral. Esta é que é o fecho, o coroamento de todas as outras. Quem a ignora, por mais que presuma saber, fica no pior de todas as ignorâncias, na do dever, e, infringindo-a, perde a liberdade a que o homem mais aspira, a de fazer o bem e por ele sobreviver perduravelmente na sua obra, porque o laço que nos une aos nossos contemporâneos, é o mesmo que nos há-de ligar à posteridade. Na inacção moral, todas as faculdades se estiolam e atrofiam: a imbecilidade é sobretudo do carácter. E, na aberração ou na alienação do dever, que é para o mundo moral o mesmo que a gravitação para o mundo psíquico, ninguém edifica nada para a eternidade, nada duradoiro. A grande revolução a fazer no ensino, em toda a parte, mas muito especialmente no nosso país, é identificar o estudo com o trabalho, de tal modo que a sociedade se não divida em duas castas, uma que só estuda e quase nada produz, outra que só trabalha e quase nada consome. Como é que aquele que passou anos e anos nas escolas, parasitariamente – todos a amarem-no e ele a ninguém, todos a servirem-no e ele a ninguém, todos a pensarem nele e ele em ninguém –, como é que há-de, ao sair delas para a sua profissão, transfigurar-se de súbito num cidadão exemplar? Que preparatório! Dificilmente o virá a ser nunca.»


“A Universidade e a Nação”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb. in: A Universidade e a Nação. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1904; A Universidade de Coimbra. 2.ª ed. Lisboa: Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908; tb. A Universidade e a Nação, Vila Nova de Famalicão, Câmara Municipal, 1983. Reedição facsimilada.

«Inegavelmente a influência do ensino no destino dos povos é importantíssima. Governo e ensino são solidários: o bom ensino não é menos eficaz do que o bom governo para a prosperidade da nação. Atestam-no exemplos, tanto da história pátria como de estranhos.»


“Governo e Ensino”, in Da Monarchia para a Republica: 1883-1905, Coimbra: Tipografia F. França Amado, 1905; tb. In: Conferencias Politicas, Coimbra, Typographia Democrática, 1904.





quarta-feira, 30 de outubro de 2013











XIV
A REVOLTA ACADÉMICA DE 1907

«Os reaccionários acusam-me de ser o promotor de todas as revoltas da mocidade. Serei. Mas, professor, falo aos estudantes como falo aos meus filhos. Na Universidade eu digo-lhes sempre: ela deve ser para nós como uma segunda pátria; combatamo-nos dentro dela, mas sem jamais a ferirmos, e que as nossas lutas internas sejam exclusivamente de ideias, porque só essas são dignas de nós. Disse-o publicamente a primeira vez que me coube proferir a oração chamada de sapiência, após um ano lectivo de dissensões, em Outubro de 1885, já lá vão quase 22 anos. E tenho-o repetido constantemente, ainda nos mais recentes dias. Porque serei então revolucionário com os rapazes? Ah! É porque, ao mesmo tempo, voltando-me para os professores, eu tenho também proclamado sempre: o estudante é um homem e um cidadão livre. E, se quero que ele cumpra todos os seus deveres, quero, igualmente, que lhe reconheçam todos os seus direitos.»

«Há quantos anos a mocidade académica faz a campanha das suas liberdades? Não houve momento solene em que as não reclamasse, frementemente. E, há quantos anos, de dentro do próprio magistério saem vozes, pedindo-as, solicitando-as, instando por elas? Porque a verdade é esta: libertar o aluno é libertar e dignificar também o professor; quanto mais livre o ensino, mais o professor é um eleito do aluno que o segue. A desconfiança do despotismo do professor, por parte do aluno, e a desconfiança da rebelião do aluno, por parte do professor, este antagonismo que os põe em conflito, fazendo com que o aluno vá até à insurreição violenta e o professor apele para as repressões excessivas, provém do distanciamento em que vivem um do outro, não se conhecendo bem, não podendo portanto deixar de frequentemente se ferir com injustiças mútuas. E porquê? Porque não querem viver intimamente entre si? Não! Porque não podem, porque o regime das aulas não lhes deixa essa liberdade. E a prova está em que estes conflitos se dão principalmente na Faculdade de Direito, onde ao estudo falta a observação e a prática, porque a Faculdade não tem sequer, como devia ter, uma banca de consulta para pobres, e onde o número de alunos por professor é tão exagerado que se torna quase impossível a livre troca de ideias entre uns e outros, de modo que o ensino por causa do regime tem de ser forçosamente automático, de catequese. Por isso é nela maior que em nenhuma das outras Faculdades o distanciamento entre mestres e discípulos.»

“A Disciplina”, in Pela Republica: 1906-1908, Lisboa, Editor-Proprietario Bernardino Machado, 1908.

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«Referindo-se à questão da Universidade de Coimbra, conta que o Ministro das Obras Públicas [Malheiro Reimão], na resposta dada na Câmara dos Deputados aos estudantes, lhes disse que voltassem à normalidade, porque o Governo tomaria desde então em conta as suas reclamações. É o mesmo que diz ao povo, e decreta leis como a da imprensa. Pois a ordem tem que inverter-se! Satisfaçam as nossas reivindicações e depois entraremos na normalidade.
Se em Coimbra houve excessos, actos condenáveis, esses atentados devem ser cometidos ao tribunal comum e não a um tribunal privilegiado.
O movimento académico foi semelhante ao da sociedade portuguesa: é o mesmo incêndio das almas pela liberdade. Todos têm que lhe dar o seu apoio. Ele próprio, como republicano e como professor, diz aos estudantes que sejam dignos de si, e no dia em que a algum deles for imposta qualquer condenação, mantenham a sua solidariedade. Se for expulso algum académico, declara-o ali, enquanto as portas da Universidade se não abrirem em seu desagravo, essas portas estarão igualmente fechadas para ele.
Devemos estar com os moços, sobretudo quando eles se afirmam no sacrifício pela liberdade.»

“Inauguração do Centro Eleitoral de Belém. A Questão Académica”, in Pela Republica: 1906-1908 – I, Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908.

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«É preciso lembrar o princípio desta questão, diz-nos o Dr. Bernardino Machado. Sete estudantes foram vítimas duma sentença injusta ditada pelo mais descaroável despotismo. No seu julgamento preteriram-se todos os direitos de defesa, não se lhes articulando sequer expressamente, para eles poderem justificar-se, os factos da acusação. Isto numa Universidade onde há uma Faculdade de direito, isto num processo judicial organizado por uma Faculdade de Direito! E assim se condenaram, como chefes de desacatos contra alguns lentes, estudantes que tenho a certeza de que só num momento de exaltação os cometeriam, e que eram inteiramente incapazes de os planear e dirigir. De um deles sei eu que nem estava na Universidade durante os distúrbios. Poderá testemunhá-los um dos próprios lentes que se diz haverem sido desacatados pela academia. Pois o acordam do conselho dos decanos afirma que ele lá esteve, e expulsa-o por dois anos!
Que devia fazer a Academia perante tamanha injustiça? Protestar. Foi o que fez quase unanimemente. Que devia fazer o Governo? Promover a revisão da sentença para a causa ser de novo julgada com todas as garantias de justiça. Confirmar-se-ia ou não o acordam dos decanos, conforme fosse justo. E todos ficavam satisfeitos. Em vez de o fazer, o Governo manteve encarniçadamente a sentença, usando para isso das armas ainda mais defesas, da intimidação, do suborno, da intriga e da calúnia, armas defesas sobretudo contra rapazes, contra o seu ânimo generoso, contra a sua cordialidade, que para todos deve ser sagrada. Nem quando eles façam o mal, os havemos de humilhar; mas, quando eles cumprem nobremente as suas obrigações de camaradagem, abatê-los é um crime.
Porque procedeu com tão aleivosa parcialidade o Governo? Seria ele o incitador da sentença?
O despotismo no governo da escola prepara e assegura o despotismo no Governo da nação. E ambas estas formas do despotismo tem perpetrado entre nós a Monarquia nos últimos tempos; de ambas tem tido por principal executor o actual Presidente do Conselho de Ministros. De 1894 a 1897, o Governo do engrandecimento do poder real centralizou o ensino primário, monopolizou o ensino secundário, e desferiu os seus primeiros golpes na independência do ensino superior […]»

«Cumpre-nos neste lance proclamar bem alto que o decreto com que o Governo mandou encerrar [a] matrícula nos estabelecimentos de ensino superior, é, como todos os seus decretos ditatoriais, ilegal, e, como tal irrito e nulo. Não obriga a ninguém, os professores não o devem executar; nem confere direitos a ninguém, os estudantes devem desprezá-lo. Vai nisso a hombridade de todos.»

“A Questão Académica”, in Pela Republica: 1906-1908 – I, Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908; tb.: in A Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908. [Entrevista com Mayer Garção, Mundo, 6 de Junho de 1907.]

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«Estou sempre no meu posto, em defesa da Universidade, e tanto dos seus discípulos como dos seus mestres.»

«Ainda agora, ao rebentar deste conflito, àqueles com quem pude falar, eu aconselhei a não deixarem nenhum dos seus companheiros desacatar nem a Universidade nem os seus mestres.»

«Por isso, se, como disse, tenho a obrigação, tenho também o direito e talvez a autoridade para intervir pelos estudantes junto dos professores e dos poderes públicos, quando eles são injustamente tratados.
Fi-lo, estando o processo do actual conflito universitário pendente do conselho de decanos, logo que os ofícios da reitoria a alguns estudantes me inspiraram receio de desmedidos rigores. Protestei contra a confusão da solidariedade de todos no movimento de reforma com a cumplicidade colectiva nos desmandos individuais dum ou de outro, pondo mesmo na balança o peso, embora diminuto, dos meus serviços. Infelizmente nada consegui: o conselho de decanos levou ao cabo o seu deplorável propósito, condenando sete estudantes expulsão como cabeças de motim.
Sem desnaturar a questão, eu tenho, portanto, agora de reclamar do Governo que a resolva.»

«No caso presente, os desacatos, se os houve, foram exclusivamente individuais; e não só a Academia não foi solidária neles, mas repudiou-os formalmente em assembleia- geral, de modo que bem se pode dizer que os seus autores ficaram logo punidos. Apesar disso, inventaram-se instigadores desses excessos para se expulsarem da Universidade por um e dois anos. Não pode ser!
Não quero fazer desta questão uma questão política, muito menos no sentido irritante da palavra. O Governo, proclamando que não se derrogará a sentença do conselho de decanos, é que a está fazendo, porque torna necessária para a solução dela a sua queda.
Não teime! Seja lógico consigo. Há pouco ainda aconselhou ao poder moderador a comutação da pena de expulsão dum aluno que o conselho de decanos condenara também por agravos aos seus lentes, em oito dias de reclusão na cadeia académica. Mais obrigado está moralmente agora a submeter o processo à revisão do Conselho Superior de Instrução Pública; e, se não houver meio de anular a sentença, recomende igual comutação de pena.»

«Senão, à violência legal do poder responda a Academia com a resistência legal. Não vá ninguém às aulas. É o seu direito. O ensino superior não é, nem pode ser obrigatório.»

«Penso também que, à custa da sua independência e dignidade, nenhum rapaz deve cursar uma aula. Ou ensino liberal do nosso tempo, ou antes nenhum.»

“Carta aos Estudantes”, in A Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietário, Bernardino Machado, 1908.

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OFÍCIO DE EXONERAÇÃO


Ilm.º e Exm.º Sr.

Tenho a honra de apresentar a V. Ex.ª a minha exoneração de lente catedrático da Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra.
Deus guarde a V. Ex.ª, Il.mo Ex.mo Sr. Reitor da Universidade de Coimbra.


Coimbra, 16 Abril de 1907


Bernardino Luís Machado Guimarães


“Oficio de Exoneração”, in A Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Coimbra, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908.








terça-feira, 29 de outubro de 2013




Recordar Republicanos
Jaime Morais  -  III

Jaime Morais em Betanzos, na Galiza 
-  2 de Maio de 1927


Após ter participado no movimento militar e civil republicano contra a Ditadura, iniciado no Porto, em 3 de Fevereiro de 1927, Jaime Morais refugiou-se  na Galiza.









Os delegados dos revoltosos, major Severino e comandante Jaime Morais, de olhos vendados, a caminho do quartel-general das forças governamentais em Gaia.






Da Ilustração Portuguesa de 16 de Fevereiro de 1927





segunda-feira, 28 de outubro de 2013

















XIII
A UNIVERSIDADE E O ENSINO


«Uma Universidade deve ser escola de tudo, mas sobretudo de liberdade.»

“A Universidade e a Nação”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb. in: A Universidade e a Nação, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1904; A Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908; tb. in: Vila Nova de Famalicão: Câmara Municipal, 1983. Reedição facsimilada.

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«Um princípio, sobretudo, dirigiu o autor e os colaboradores da moderna Universidade, e resume o espírito desta obra prodigiosa. Era o princípio, ou, antes, a entranhável convicção de que só o saber domina, de que só ele governa soberanamente o mundo.
E é a pura verdade, meus Senhores. A ciência vale tanto que, ainda séculos depois, uma ideia que já se difundiu por toda a parte, quando já não é privilégio nem parece instrumento preponderante de ninguém, recobra, às vezes, o ímpeto primitivo, e levanta do fundo da história o povo que a concebera, para lhe pagar a sua vida insuflando-a nele.
Amar, portanto, a ciência, venerando-a nos sábios e prezando nos estudiosos, adorando-a então nos seus mártires; servi-la pelo estudo perseverante, obstinado, inelutável, servi-la pela rigorosa aplicação dos seus ditames, quando mesmo se haja de fazer por ela sacrifícios: eis, para quem sente na alma os estos da sua pátria, o que deve constituir uma religião nacional.
E não só como cidadãos o saber nos engrandece. A descoberta que hoje comove uma nação, que a enriquece e nobilita, há-de amanhã tornar-se um serviço à humanidade; depois de ter associado intimamente nos gozos do mesmo trabalho os membros de uma colectividade, vai de volta pelo globo levar a todo ele mais um vínculo de simpatia. Este é o incomparável poder da ciência. Só ela vinga realizar o supremo desideratum: melhorar o homem.
Amar, portanto, e servir a ciência é amar e servir todas as virtudes; é mais até do que obrigação nacional, é obrigação humanitária.
Mas, se a ciência, meus Senhores, é uma religião, são templos as escolas, e aos seus mestres e alunos, mais do que a ninguém, cabe velar cuidadosamente por ela: a todos, e muito principalmente aos que temos a honra de pertencer a um Instituto de alto ensino, porque nesta moderna religião que é a própria religião do progresso, quem recebeu a sagrada missão de o dirigir e acelerar fomos nós, digo-o com a dor pungentíssima da minha mediocridade.
Será missão excessiva para as forças da nossa instrução superior? Será. O saber não se improvisa, papa o alcançar faz-se necessário trabalhar arduamente, sofrer; só os povos que à sua custa granjearam esse capital, parecem dignos, capazes de o multiplicar – e o nosso património de ideias tornou-se bem escasso.»

“Oração de Sapiência”, in Affirmações Publicas: 1882-1886, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888.



«Uma Universidade é um laboratório, uma oficina modelo, onde professores e discípulos, como verdadeiros operários e aprendizes, não têm por ocupação consumir ideias, mas produzi-las. E uns e outros não se pertencem só mutuamente a si mesmos, não labutam exclusivamente pelo seu bem-estar e progresso, não produzem apenas para o seu próprio consumo; devem-se a todos, e, mais que a ninguém, aos mais entrevecidos na ignorância e superstição.»

«Que cada conhecimento nosso seja um serviço público, franco, desinteressado. Nenhuma ciência cerra magicamente os seus cultores num palácio encantado, acima de toda a realidade, em tamanha abstracção, que eles vivam na terra como viveriam na lua, em Portugal como na China. Pelo contrário, [não há] nem uma única que se não haja de aprender concretamente, chãmente, no convívio e na intimidade dos seres familiares, que não precise dum berço e duma pátria, até para poder crescer e alar-se a todo o mundo. E quanto nos falta o conhecimento do que é nosso, desde o solo até às almas! Quem sabe como vive entre nós o cavador, o mineiro, o proletário, como vivem os nossos criminosos, como vivem ou antes como vão morrendo de corpo e de espírito? Estude-se a matemática, fazendo estatística de tudo, calculando os tesouros que se encerram sob este céu, nesta nossa terra, na nossa raça, e, no nosso génio nacional, avaliando bem todas as nossas forças e todos os nossos recursos, e proporcionando-lhes exactamente os nossos cometimentos e aspirações, quando não medindo mesmo os sacrifícios que nos sejam necessários, e são-nos tantos!»

«Uma Universidade pode lá deixar de ser política! Não é dentro dela que se ministra o mais alto ensino de direito público? Se os pensadores não governarem, governam os interesses e as paixões, sem o freio da razão. Infelizmente, quantos dos nossos homens de ciência, para se esquivarem aos descómodos a contrariedades, aos riscos, da vida pública, que é e tem de ser sempre afinal uma luta acesa, se não dedignam de acorrentar-se à sorte dos aventureiros políticos de pior fama, à espera de que tudo lhe chegue sem custo um dia com a vitória cortesã dos magnates que os capitaneiam!
Desempenhemo-nos de todos os nossos deveres cívicos, com energia, com coragem, com denodo, militantemente, sem que nada jamais nos quebre ou entorpeça sequer o ânimo, nem o asco que nos causem os vícios cínicos de tantos dos nossos homens públicos. E, fazendo-o, não receemos aquecer demais a mocidade escolar em focos perigosos de revolução. Não! Um discípulo é naturalmente um correligionário; no professor está aconselhá-lo com perfeito tacto, dirigi-lo para bem.»

«A nação não elege os seus governantes? Também nós não elegemos o nosso reitor, nem os nossos funcionários administrativos, que, aliás até ao menor, deviam ser sempre recrutados por nós ou pelo reitor nosso eleito, e, de preferência, entre os antigos servidores do ensino, desde os mais modestos. Tudo, de nomeação régia. No governo propriamente docente, a Universidade tem, sim, direito de eleger os seus professores; nem desse [direito], porém, usa com toda a liberdade, e, acrescentarei, com toda e justiça e proveito, escolhendo-os entre as mais provadas competências do país, sem privilégio algum para os seus filhos, ou para os filhos das outras escolas superiores, onde quer que essas competências se encontrem […]»


«E, se elegemos os nossos professores, já não temos o direito de constituir livremente o nosso governo interior, elegendo de entre eles os nossos decanos; ainda acatamos na família universitária a prerrogativa morganática, o vínculo de primogenitura, como se mantém lá fora para a família real. E o mesmo poder que lá é discricionário, edita penalidades contra a liberdade de exame e de discussão, declarando-a um delito e ilegais os partidos que a reivindiquem, conta para a ordem social somente com o terror dos castigos, suprime as garantias do processo judicial, e persegue, às pranchadas, os manifestantes pacíficos, cá dentro brande sobre a Universidade a férula do foro académico, ameaça com a expulsão e perda de ano os seus alunos, acutila-os, e já se atreveu a demitir o seu secretário e a retardar a devida promoção dum dos seus lentes para os punir das opiniões democráticas honradamente expendidas por um e outro.»

“A Universidade e a Nação”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb. in: A Universidade e a Nação, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1904; A Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908; tb. in: Vila Nova de Famalicão: Câmara Municipal, 1983. Reedição facsimilada.